#algarve2020 || EM DESTAQUE || Maio. 2023

Ergueu-se um edifício gerido por um cérebro informático que desafia as estações do ano e até se trouxe o mar para onde ele era inventado. Seja para se projetarem em soluções engenhosas de eficiência energética, ou para arriscarem investimentos avultados para diminuir a pegada ambiental, os incentivos do CRESC Algarve 2020 impulsionaram parques aquáticos da região a um caminho irreversível de inovação e sustentabilidade.

A temperatura ambiente, a rondar os 30 graus, é de verão. As diversões aquáticas que se entrelaçam sobre piscinas de mil formas são também típicas das férias estivais. Apesar de lá fora o início de primavera ainda estar de humores instáveis, ali, entre 4 paredes, com água a uns confortáveis 32 graus, o Aquashow Indoor revisita, ao longo de todo o ano, a experiência até agora reservada aos poucos meses que convidam a banhos no parque aquático a céu aberto.

Vencer a sazonalidade da atividade é provavelmente a conquista mais badalada da recente atração do parque aquático plantado às portas de Quarteira. Não só a ocupação do hotel “cresceu bastante ao fim de semana”, desde que o Indoor abriu em Outubro, como o período das férias da Páscoa trouxe filas à porta que normalmente estaria fechada. “Chegámos a ter lotação esgotada”, recorda a diretora Diana Santos.

Esse sucesso quase que ofusca aquela que terá sido a mais dura batalha que o novo espaço “dentro de portas” teve de enfrentar: “queríamos oferecer uma experiência forte que levasse as pessoas a percorrerem quilómetros para virem ao Algarve no Inverno, mas tínhamos de o fazer de forma a que os custos de funcionamento a tornassem viável”, explica Celestino Santos, administrador da Celoli, empresa que detém o parque desde 1999.

O desafio dos 17 graus no Aquashow

Para perceber o tamanho do desafio de sustentabilidade que o parque tinha pela frente, é preciso descer de termómetro na mão até alguns metros de profundidade, onde a água que alimenta o circuito de piscinas é captada a 15 graus. Aquecê-la – e são 1200 metros cúbicos de água a circular entre mil metros quadrados de espelhos de água e escorregas – exigiria a energia equivalente a 500 fornos elétricos ligados em simultâneo. Era algo, nota, “impossível de manter”.

À procura de resolver a equação, Celestino sentou à mesa um parceiro também algarvio. A Rolear já vinha trabalhando com o parque há vários anos e, juntos, de lápis na mão, começaram em 2015 a desenhar “a sustentabilidade de um edifício assim” ou, mais concretamente, a tentar encontrar uma forma de acrescentar 17 graus à temperatura da água, gastando menos do que a energia de duas lâmpadas de 40 watts por dia, por cada metro cúbico de água aquecida.

Sentado agora à secretária enquanto dezenas de turistas se divertem nos dois pisos dos 8 mil metros quadrados do espaço coberto, o empresário tem à sua frente, plasmada num monitor de computador, toda a solução em funcionamento. “Os 60 painéis solares na cobertura do edifício vão aquecendo em permanência cerca de 3 graus, depois, consoante o preço do mercado, ou ligamos as bombas de calor ou ligamos as caldeiras a gás natural até atingir a temperatura certa”, explica, apontando aos pontos daquela consola de gestão técnica centralizada onde basta um clique para mudar o padrão.

A inteligência de um edifício

A esse mesmo computador, chegam a informação meteorológica exterior e as condições do interior. Do “jogo” entre os dois ambientes, um processo automatizado procura continuamente encontrar poupanças. “Se o ar exterior é seco, abrem-se as janelas de desenfumagem para equilibrar a humidade interior, sem que se gaste energia. Mas, se houver humidade exterior e o sistema acionar as unidades de desumidificação do edifício, o calor daí extraído é aproveitado no aquecimento das piscinas”.

A “inteligência” do sistema, construído ao longo dos últimos 3 anos, estende-se à regulação da iluminação, ao acionamento alternado de jatos de água e até à deteção de anomalias. Tudo se liga à hora de abrir portas, como tudo desliga à hora de as fechar. Tal como o funcionamento das bombas de água é ajustado à intensidade de injeção de água desejada, todos os equipamentos gastam apenas a energia estritamente necessária ao seu fim.

Entre a vasta rede de tubagens e equipamentos que se escondem na cave, este “cérebro” comanda também um avançado sistema de lavagem de filtros que “reaproveita 75% da água usada através de um tratamento por osmose inversa”. Seria água que iria para o esgoto, mas que assim regressa às piscinas “com enorme poupança energética porque, no máximo, perdeu apenas 3 a 4 graus de temperatura”.

O incentivo que dissipou dúvidas

“Nós sabíamos que era possível”, diz agora Celestino Santos, com uma boa dose de orgulho. Espera colher bons frutos dos 32 milhões de euros ali aplicados, reconhecendo que o investimento “foi de facto muito grande, especialmente se tivermos em conta que é dedicado à época baixa, incapaz de gerar o volume de receitas que o verão pode oferecer”. Daí elogiar o papel do incentivo de 2,6 milhões de euros do CRESC Algarve 2020, que funcionou “como uma almofada financeira que ajudou a dissipar as dúvidas sobre a viabilidade da ideia”.

O empurrão comunitário à busca por sustentabilidade energética não foi exclusivo do parque aquático de Quarteira. A alguns quilómetros dali, em Albufeira, já o Zoomarine se tinha feito à aventura entre 2016 e 2017, com a instalação de painéis fotovoltaicos nas coberturas do aquário e das oficinas. No caso, o incentivo do CRESC Algarve 2020 (cerca de 40 mil dos mais de 100 mil euros investidos) “serviu para dar um impulso de confiança numa solução que, na altura, ainda iriamos testar”, recorda Élio Vicente.

De lá para cá, não só o teste foi bem-sucedido, como o parque temático que mais visitantes recebe na região decidiu ampliar o recurso a fontes de energia renováveis totalmente por sua conta. Nos últimos 2 anos, investiu cerca de 1,1 milhões de euros na instalação de mais 2550 módulos fotovoltaicos num terreno contíguo, ou, como ilustra Pedro Pisa, diretor de Instalações e Equipamentos do parque, “o equivalente à captura de carbono de 929 hectares de floresta por ano ou à retirada de 404 veículos de estrada no mesmo período”. Juntos, o projeto piloto e o que se lhe seguiu somam quase 2 mil metros quadrados de superfície capaz de transformar os raios solares em eletricidade, o suficiente para assegurar metade da energia consumida pelo parque. E a perspetiva, garante Élio Vicente, é “aumentar essa proporção nos próximos anos”.

Foi só preciso um empurrão

Embalado pelos resultados e comprometido com a redução do impacte ambiental da operação, o Zoomarine aproveitou para investir na renovação da frota para viaturas elétricas, para digitalizar ainda mais serviços, para reforçar as estratégias de poupança de água e de energia e até para utilizar soluções orgânicas na manutenção de espaços verdes.

Para Élio Vicente, “o esforço é contínuo, faz parte da missão ambiental e pedagógica da empresa, e até já chega ao aproveitamento de águas residuais para rega de espaços verdes”. O projeto, lançado há dois anos com um investimento de quase 130 mil euros, está em fase de implementação, mas “vai permitir uma significativa poupança de água”.

Neste capítulo, nada se compara à obra que, em 2017, permitiu ao Zoomarine começar a captar água do mar. “Longe da costa, o parque era obrigado a recorrer a água subterrânea ou da rede para os seus habitats e piscinas, o que, para nós, vinha sendo uma preocupação crescente face às alterações climáticas e à necessária boa gestão de água potável, especialmente para nós que somos um espaço de sustentabilidade e educação, que gosta de liderar pelo exemplo”, refere.

E o mar, afinal, ali tão perto

Após uma longa odisseia administrativa, foi mais uma vez o incentivo dos fundos comunitários alocados à região a dar o impulso à hercúlea tarefa de construir quase 5 quilómetros de condutas entre a Guia e a Praia dos Salgados: quase 200 mil euros do meio milhão de euros investidos, que mudaram significativamente, não só a performance ambiental da empresa, como o bem-estar dos animais do parque.

Até então, o uso de água doce obrigava à injeção de cerca de 1400 toneladas de sal por ano para recriar a distante água do mar nos habitats de golfinhos, focas e leões-marinhos. Hoje, por dia, fluem em média entre 50 e 350 metros cúbicos de água do mar para a estação de tratamento que antecede o abastecimento de diversões aquáticas e habitats. Pelo caminho, a obra “ainda serviu para ajudar a regular os níveis de água na Lagoa dos Salgados.

A experiência do Zoomarine inspira agora o vizinho Aquashow. Todo o parque depende dos cerca de 85 mil metros cúbicos de água que capta anualmente do aquífero e, até pela sempre presente ameaça de intrusão salina, os seus responsáveis têm a noção de que esta “não é uma solução de futuro”. Para assegurar o amanhã, submeteu à Agência Portuguesa do Ambiente um projeto para se ligar ao mar, através de condutas subterrâneas com cerca de 4 quilómetros de extensão.

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