#algarve2020 || EM DESTAQUE || OUTUBRO 2021
Um agrupamento de Olhão dá o exemplo de como os fundos europeus estão a erguer obra que os olhos não veem: uma escola “humanista”, “integradora” e que enfrenta as maleitas para as tratar.
A adaptação à nova escola foi um pesadelo. Para trás, ficara o ambiente seguro da antiga sala de aula e o número reduzido de colegas de turma, com quem tanto brincava entre aulas, como à porta de casa. Quando a ansiedade gerada pela “imensidão” da escola EB 2, 3 tomou conta de Alice – chamemos-lhe assim –, soaram os alarmes no Agrupamento Alberto Iria. “Ela tinha ataques de pânico ao vir para as aulas e até reações de isolamento e rejeição para com os colegas. Claramente não se estava a adaptar e tivemos de intervir para não a perder”.
O caso da jovem aluna, na altura com 12 anos, é hoje recordado pelo subdiretor do agrupamento olhanense para mostrar o impacto de uma escola “humanista e integradora”. Em vez de tentar a transferência da aluna para outra instituição, “articulámos pais e professores numa estratégia, enquadrámos ajuda médica e, paulatinamente, a jovem ultrapassou a patologia, integrou-se na escola e veio a concluir o 9º ano com sucesso”, conta Fernando Rafael.
O Gabinete de Apoio ao Aluno e à Família foi o responsável pela operação de socorro de Alice. Criado há 13 anos, quando a escola integrou o projeto Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP), conseguiu, nos últimos três, financiamento do CRESC Algarve 2020 “que lhe deu estabilidade”. Uma psicóloga educacional e um docente de técnicas especiais estão mobilizados na missão de ultrapassar dificuldades de integração, dar apoio psicossocial para evitar o abandono escolar e mediar conflitos.
Um gabinete que vai além da escola
É a esse gabinete e não ao gabinete da direção, que são chamados os alunos que infringem as regras. “Muitas vezes temos de envolver outros parceiros, como a Escola Segura ou a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco”, refere, fazendo notar que “a própria família é envolvida” nestas intervenções.
A estratégia do gabinete tem em conta que um terço dos 830 alunos do agrupamento é beneficiário da Ação Social Escolar. A pobreza e a exclusão social fazem parte do contexto em que a escola se insere. O seio familiar merece, por isso, atenção especial, quer nos casos que o gabinete tem em mãos, quer na prevenção de casos futuros, promovendo ações de formação em economia doméstica, cuidados de higiene e alimentação.
Não há, segundo o gestor escolar, soluções simples. “Num contexto em que facilmente surgem alunos problemáticos, fácil seria livrarmo-nos deles. Devo dizer que é difícil não fazer o que é fácil, mas vale a pena”.
“São números enormes”
O orgulho vem dos resultados alcançados: entre 2017 e 2021, a taxa de abandono escolar desceu de 0,41% para 0,32%; a média de faltas injustificadas por aluno do 3º ciclo – “o mais sensível”, faz notar – caiu abruptamente dos 12,65% para 2,58% no mesmo período. Para Fernando Rafael, “são números enormes que revelam o esforço tremendo deste gabinete e de toda a comunidade escolar”.
Há outro indicador a sugerir o sucesso do caminho traçado pelo agrupamento. A taxa de transição de ano letivo é de 98% no 1º ciclo, 97% no 2º e 89% no 3º. “Só estaremos satisfeitos quando nenhum aluno ficar retido”, sublinha, mas reconhece que boa parte desse resultado no 1º ciclo advém da atividade do “Espaço Casulo”, uma espécie de cuidados intensivos para as dificuldades que os alunos encontram.
Bloqueios são tratados nos cuidados intensivos
O projeto, também co-financiado pelo Fundo Social Europeu, vem tratando das maleitas identificadas na sala de aula. “Nesta oficina de aprendizagem, os alunos trabalham exclusivamente as dificuldades que não lhes permitem avançarem na aprendizagem”, explica. Casos típicos: o cálculo mental, na Matemática, ou a estrutura de escrita e as competências de leitura, em Português.
Segundo o gestor escolar, “os alunos, durante o período de aulas normal, saem temporariamente da turma, trabalham no Espaço Casulo a dificuldade que têm e deixam de o frequentar quando a dificuldade estiver ultrapassada”. Não há frequência, nem duração pré-definida. Cada caso é um caso, assim como a terapêutica – o trabalho, em bom rigor – prescrita pela professora alocada exclusivamente a esta sala, que funciona ao lado da biblioteca.
7M€ apoiam 11 projetos TEIP no Algarve
“É um trabalho ponto-cruz”, diz o gestor escolar, para descrever a minúcia e a persistência necessárias ao combate ao abandono escolar precoce e à promoção do sucesso educativo, objetivos que mobilizaram, tal como no Agrupamento Alberto Iria, fundos europeus para apoio de projetos de intervenção educativa em 10 outras instituições TEIP no Algarve. Desde 2015, foram alocados 7 milhões de euros do Fundo Social Europeu a estas iniciativas, abrangendo 22.800 alunos e uma centena de professores, gerando igualmente mais de 50 plataformas de cooperação com agentes da comunidade local.
Para evidenciar a pertinência do investimento, Fernando Rafael regressa ao caso da aluna cujo nome real esta newsletter omite: “ainda há dias, passados quatro anos desde a turbulenta chegada ao 5º ano, Alice voltou a contactar-nos. Ingressara no Ensino Secundário e procurava novamente ajuda para adaptar-se a mais uma mudança de realidade”. O pedido emocionou-o. “A ponte afetiva que foi construída deu-lhe confiança em nós e é isso que mais ambiciona quem luta pelo mais difícil: manter os alunos na escola e mantê-los integrados”.