#algarve2020 || EM DESTAQUE || Maio. 2023

Em vez de agachada, de pá na mão, a equipa algarvia de arqueólogos investigadores da ERA tem vindo a protagonizar descobertas surpreendentes de património escondido entre arbustos e arvoredo, de Norte a Sul do país, aos comandos de um drone. Tecnologia de ponta de feixes de laser ou fotografia por espectros de luz revelam o que durante séculos, ou mesmo milénios, se julgou não existir. E contam, para isso, com a ajuda de inteligência artificial.

Uns vão martelando com os dedos teclados de computador para partilharem as experiências realizadas até agora em artigos científicos, enquanto outros, de olhos fixos nos monitores, passam a pente fino os locais sinalizados por computadores como potenciais descobertas arqueológicas. Ali, no pequeno espaço da incubadora de empresas da Universidade do Algarve, a equipa do Odyssey prepara-se para entrar numa nova fase do projeto que promete revolucionar a forma como se identifica e delimita sítios arqueológicos.

“Já recolhemos dados de sítios arqueológicos conhecidos em sobrevoos de drone com sensores LiDAR ou de fotografia multiespectral para alimentar o algoritmo da inteligência artificial que, com base nesses dados, deteta ou delimita os vestígios. Mas agora, vamos para o terreno outra vez para aferir dos resultados”, conta Rita Dias, coordenadora da equipa de 9 arqueólogos da ERA Arqueologia alocados ao projeto.

A tecnologia de feixes de laser LiDAR (Light Detection And Ranging), importada da aeronáutica, tem vindo a protagonizar algumas das mais surpreendentes descobertas arqueológicas recentes. Uma das mais badaladas, aconteceu na Guatemala, onde esta tecnologia, por possibilitar a remoção da cobertura da floresta densa por meios digitais, permitiu revelar que cidades maias como Tikal eram muito maiores do que as prospeções terrestres sugeriram.

Descobertas “espetaculares”

O mesmo “está a acontecer em Portugal”, observa Miguel Lago, administrador delegado da empresa. “Fizemos muitos levantamentos no último ano e meio e temos, nalguns casos, resultados espetaculares”.

Parte desses resultados serão agora confirmados pela equipa de Rita Dias, que se faz ao terreno com a plataforma que o projeto desenvolveu em consórcio com as Universidades de Aveiro e da Maia. “A nossa missão é validar os sítios identificados pela inteligência artificial que, mesmo que não se confirmem, servirão sempre para treinar o algoritmo para que este aprenda e melhore os seus resultados futuros”, explica.

Essa “inteligência” está agora a ser treinada em fortificações, mas já está praticamente concluída na identificação de mamoas e de outros vestígios megalíticos. Miguel Lago cita o caso de Viana do Castelo, “o único distrito do país com levantamento LiDAR completo”, onde esses dados permitiram ao sistema detetar perto de 700 novas mamoas. “É certo – diz – que, no processo de aferição remota, se descarta 15 a 20 por cento destas identificações, mas descobrir 500 novas mamoas mostra bem o potencial desta ferramenta”.

Um castelo que afinal tinha o dobro do tamanho

Os investigadores do Odyssey, boa parte emanados da Universidade do Algarve e ligados ao Centro Interdisciplinar de Arqueologia e Evolução do Comportamento Humano (ICArEHB) da academia algarvia, já sobrevoaram também alguns sítios da região – o Concheiro do Castelejo e uma área do Zavial rica em fenómenos cársicos (ambas em Vila do Bispo), mas inauguram uma nova fase do projeto em maio nos Castros de Vinhais e de outros concelhos do Norte do país. Partem com a confiança redobrada após a experiência no Castelo da Crespa, em Serpa, onde esta tecnologia permitiu rever a planta da muralha, aumentando a superfície de ocupação daquele povoado do final da Idade Bronze dos 4 para os 9,5 hectares.

Resultados como este têm o potencial de motivar alterações aos mecanismos de proteção previstos em planos de ordenamento e tornam ainda mais pertinente a plataforma do Odyssey, “ que permite automatizar a consolidação das várias fontes de informação patrimonial e territorial de uma região”. Miguel Lago garante não ter conhecimento de nada assim no mundo, razão por que “o projeto suscitou imensa atenção” no Congresso Anual da Sociedade Americana de Arqueologia, onde os investigadores participaram.

Tecnologia de olho na exportação de serviços

Foi precisamente o caráter inovador do Odyssey que lhe valeu um incentivo de 860 mil euros do CRESC Algarve 2020. O projeto teve um investimento global de 1,3 milhões de euros na aquisição de equipamentos, formação de equipas, recolha de dados e investigação e desenvolvimento das ferramentas digitais que colocam agora a empresa na esfera da arqueologia de ponta mundial. “Não temos dúvidas de que se trata de um projeto capaz de impulsionar o conhecimento do património e que, ao mesmo tempo, prepara a nossa empresa para prestar estes serviços de identificação e delimitação de sítios arqueológicos de forma mais rápida, mais rigorosa e com um menor custo”, conclui.

Até esse desfecho, Rita Dias e a sua equipa têm ainda mais uns meses de trabalho pela frente. A arqueóloga confessa-se deslumbrada com o potencial do que tem em mãos, mas garante que, lá no fundo, irá “sempre adorar estar agachada, com auscultadores nos ouvidos, a esgravatar a terra”. Na verdade, nada substituirá, para já, esse trabalho que, pelo menos, conta agora com a ajuda digital.

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