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Navegando com óculos de realidade virtual, brincando num tablet ou jogando em consolas de jogos eletrónicos, séniores de Tavira, Castro Marim e Alcoutim descobrem as maravilhas que a tecnologia pode fazer ao corpo e à alma

As gargalhadas ecoam no salão de festas do Campesino Recreativo Futebol Clube. Sobre uma plataforma eletrónica, Custódia Dias balança a anca de um lado para o outro para resolver os desafios que lhe são apresentados pela tela montada em cima do palco. “São as continhas de rabo”, explica entre mais umas quantas risadas.

O jogo é simples e, garante a septuagenária, “divertido”. Cada movimento do corpo corresponde a uma parcela na imagem. O jogador tem de escolher as combinações certas para chegar à soma de 20, uma e outra vez, ao longo de 10 minutos. “Isto, para quem vê, é fácil, mas aqui o rabo às vezes não quer ir para onde a gente o manda”. Mas, apesar do esforço, lá vai resolvendo as contas do ábaco com um sorriso na cara e ancas cada vez mais ágeis.

“Esta componente lúdica da consola de jogos é o que leva as pessoas a ir além do que normalmente iriam”, faz notar Vânia Serrano, enquanto acompanha a sessão na aldeia de Monte Francisco, em Castro Marim. Integra, com mais 3 técnicas, o projeto da Cruz Vermelha de Tavira, tem vindo a testar um novo modelo de intervenção terapêutica na prevenção à perda de capacidades cognitivas e físicas na população sénior, recorrendo para isso a tecnologia que nos habituamos a ver nas mãos de jovens.

Exercitar brincando

Não só a consola “Wii” é aqui uma ferramenta de trabalho, como tablets e óculos de realidade virtual “fornecem uma variedade de formas de intervirmos de forma personalizada nos aspetos que estejam mais comprometidos”. Isabel Pereira, coordenadora da iniciativa co-financiada pela Portugal Inovação Social e pelo Fundo Social Europeu, passa em revista os testes a que cada um dos 8 idosos de Monte Francisco foi submetido à chegada. Foi avaliada a agilidade físico-motora, o desempenho cognitivo e até a escala de depressão geriátrica para poderem definir o melhor programa (ou, por outras palavras, jogos) que pode trazer mais benefícios para cada um dos participantes.

Cada sessão tem 50 minutos, repetindo-se 2 vezes por semana ao longo de 2 meses e meio. Na salinha por detrás do palco, Maria do Carmo, frente-a-frente a uma psicóloga, debruça-se sobre um tablet, tentando apontar o dedo à ordem correta de figuras geométricas sobrepostas. Está já na reta final, mas há-de fazer ainda contas ou descobrir diferenças no mesmo equipamento. Ou então, descobrir a Muralha da China, transportando-se até lá através de óculos de realidade virtual.

“Trabalham o corpo, a mente e até o bem-estar psicológico e podemos dizer que já tivemos casos flagrantes de reabilitação, como uma senhora que hoje já faz ginástica, mas que aqui chegou a caminhar apoiada pela filha, com síndrome de imobilismo e problemas de equilíbrio”, conta Isabel Pereira.

Resultados promissores

Além de Castro Marim, já tiveram grupos em localidades de Tavira e de Alcoutim, os 3 municípios que suportam 30% da iniciativa. Mais de 90 pessoas com mais de 65 anos foram já sujeitas à nova metodologia de promoção do envelhecimento ativo, desde que o projeto arrancou no final de 2019. Os dados recolhidos estão a ser tratados por uma consultora da Universidade do Algarve, mas a coordenadora não tem dúvidas de que, “de uma forma geral, há evolução positiva e os objetivos têm sido cumpridos”.

Custódia, entretanto, já se equilibrou num trapézio virtual e voltou às contas, desta vez no tablet. Agora, que está à beira de concluir a incursão pelas maravilhas destas tecnologias, admite vir a adquirir um daqueles dispositivos para jogar em casa com a neta. “Sempre fui muito ativa, sabe, fazia tudo. Mas, com a reforma, o nosso corpo parece que paralisa e uma pessoa vai-se esquecendo do que aprendeu… e eu não gosto nada disso”.

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